terça-feira, 18 de janeiro de 2011

SOLIDÃO

Solidão
A solidão é corrosiva, começa a destruir o coração e depois o resto do corpo. Não existe antídoto. Havia, algum tempo atrás, mas foi extinto com o velho mundo. Chamava-se Amor.
O Amor então curava qualquer Solidão. Hoje não existe mais Amor verdadeiro, apenas amores fugazes e fúteis. E a Solidão então toma conta dos sensíveis, dos emotivos, dos de coração puro, destrói-os de todo o jeito, física e mentalmente.
Hoje sofro. Ainda não estou morta, pois vomitei o veneno que a Solidão me obrigou a beber. Não tenho muito tempo.
Estou enclausurada e isso faz aumentar a minha solidão, o que aumenta ainda mais a minha dor.
Já não há dias, horas, nem mesmo minutos, apenas uma enorme eternidade na qual estou me afogando. O meu tempo acaba e me torna nada para sempre.
Lembro que algum tempo atrás eu sonhava com o Amor. Ele era alegre, bonito e me fazia sorrir. Acordava feliz naquele tempo. Mas uma noite ele não veio. No lugar dele um homem sedutor e belo, ele me fez acreditar ser o Amor. Enganou-me. Feriu-me. E eu derramei sangue feito lágrimas e nunca mais sonhei com meu Amor.
Sei que ele existiu, mas também sei que ele nunca mais vai me encontrar. Ele foi para sempre e nunca mais de mim.
Não consigo nem ao menos ter lembranças dos sonhos felizes. No lugar deles, pesadelos intermináveis que só findam quando choro, parece que é só isso que me desperta.
Hoje não posso mais sonhar, tenho medo de fechar os olhos, com medo de que aquele pesadelo horrível retorne, ou aquele sonho falso, o que significa o mesmo.
Só há uma chance de fugir, de fechar os olhos sem que o pesadelo apareça. É fechar os olhos para o mundo e tudo de mal que vem dele. E abrir os olhos para a Eternidade.
Talvez eu esteja apenas sonhando acordada...

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

TRICÔ VERMELHO

Tricô Vermelho
Vermelho para mim era a cor de uma blusa que minha mãe fez de tricô há muitos anos atrás. Julinha tinha uma igual, acho que era porque minha mãe e a mãe dela eram irmãs e compraram a mesma cor e a mesma marca de lã numa promoção. Na época, lã se comprava em promoção, pacotes grandes, “bem baratinho”. “Blusas tricotadas a mão é a coisa mais quente que temos para o inverno”, dizia mamãe, além disso, acrescentava “não pense que esses casacos que compram em lojas são melhores que isso....”  Mas as blusas vermelhas,  sendo praticamente iguais, mudavam apenas no ponto, detalhe insignificante para a maioria, já que muitos pensavam que pela mesma cor, pelo mesmo estilo da blusa, o mesmo cabelo loiro, a mesma timidez, eu e Julinha éramos irmãs, não apenas primas.
 Julinha andava comigo onde quer que eu fosse, ou o contrário, nunca sabíamos, mas nosso pensamento era o mesmo. Tínhamos a mesma idade, os mesmos gostos, o mesmo jeito de baixar a cabeça por vergonha de tudo, a mesma gagueira, a adoração por animais, a paixão por futebol. Mas não calávamos quando estávamos eu e ela apenas, levávamos a noite toda a fazer planos, a bolar dribles “inéditos”, enquanto minha mãe gritava do outro lado da parede de fina madeira antiga com frestas salientes: “tá na hora de dormir!”
Julinha também ia à escola mais cedo que eu, morava mais longe e tinha que chegar a tempo de pegar a Kombi, que fazia a primeira rota perto da casa dela... Eu queria muito morar por lá, assim poderia chegar mais cedo também e ficar mais tempo brincando com as meninas de amarelinha, ou jogar bolitas antes de começar as aulas da manhã. Perdia sempre a melhor parte da manhã, e talvez a melhor parte do dia. O resto do dia eu apenas brincava sozinha, com galhos de árvores como se fossem bonecas, e flores como se fossem os chapéus glamorosos das bonecas secas.
Mas às vezes caminhávamos eu e mamãe até a casa de Julinha ou até a casa da vovó, aos domingos.  Minha tia sempre tinha bolachas caseiras frescas nos domingos, poucos minutos duravam após nossa chegada. Eu e Julinha com a mesma blusa de tricô vermelha, a timidez refletida no rubor do rosto, não se sabe se por causa do vermelho da blusa ou pela natureza envergonhada de ambas. Nunca conversávamos com os mais velhos, íamos direto ver o mundo lá fora, as uvas, os porcos, o rio e a cachoeira. Nunca permitiram que tomássemos banho lá, mas tomávamos sempre escondido... que nunca ninguém saiba, pois ainda é proibido.
Eu perdi a blusa vermelha, ou mamãe doou, pensei que fosse porque ela encolheu...  mas acho que eu cresci. Eu chorei por isso, gostava da blusa e das lembranças da infância, era igualzinha a da Julinha, era melhor que casacos comprados nas lojas..., era melhor com certeza. E Julinha era minha única amiga, minha melhor amiga e hoje penso em blusas vermelhas quando sinto falta dela. Tricô vermelho é como minha amizade por Julinha, inesquecível.

domingo, 9 de janeiro de 2011

DOR

DOR
Uma vez eu tive o corpo queimado inteiro, sentia a dor de estar em carne viva, durante muito tempo, mesmo terem cicatrizado as feridas expostas na pele. Nunca pensei que escaldariam minha pele outra vez, e desta vez para sempre, sem cicatrizações. Vivo, portanto num subsolo escuro, gelado e sem a menor fresta de luz, tenho que sobreviver até o fim de tudo, espero pelo fim, mas é contra a minha natureza,  meu instinto de sobrevivência, acabar com tudo, mesmo não suportando a dor. A dor já faz parte de mim, é minha pele, e o sentimento que apaga o outro ainda maior dentro de meu coração, e não há espaço pra raiva ou amargura, apenas resignação, uma aceitação martírica... um amor louco por ele, sempre ele, quando não suporto a dor mais e penso que morrerei, penso naqueles olhos, naquele rosto, naquele corpo e vivo numa ilusão doentia e eterna. Ninguém sabe disso, nem ele, nem ninguém que no passado eu convivi, todos acham que eu morri e eu não sei o que pensam, o que sentem, se sentem a minha falta, a ausência de uma vida que já era ausente ao mundo.  Uma solidão e um silêncio consolador aqui embaixo, mas há horas de desespero, de delírio frenético, de febre incontrolável... Tem passado, mesmo durando horas, dias, mas tem passado. O meu corpo e meu coração estão no limite, eu posso sentir... tudo diminuindo, meu corpo, meus olhos, minha memória, minha sanidade e meu coração batendo cada dia mais lentamente...