Tricô Vermelho
Vermelho para mim era a cor de uma blusa que minha mãe fez de tricô há muitos anos atrás. Julinha tinha uma igual, acho que era porque minha mãe e a mãe dela eram irmãs e compraram a mesma cor e a mesma marca de lã numa promoção. Na época, lã se comprava em promoção, pacotes grandes, “bem baratinho”. “Blusas tricotadas a mão é a coisa mais quente que temos para o inverno”, dizia mamãe, além disso, acrescentava “não pense que esses casacos que compram em lojas são melhores que isso....” Mas as blusas vermelhas, sendo praticamente iguais, mudavam apenas no ponto, detalhe insignificante para a maioria, já que muitos pensavam que pela mesma cor, pelo mesmo estilo da blusa, o mesmo cabelo loiro, a mesma timidez, eu e Julinha éramos irmãs, não apenas primas.
Julinha andava comigo onde quer que eu fosse, ou o contrário, nunca sabíamos, mas nosso pensamento era o mesmo. Tínhamos a mesma idade, os mesmos gostos, o mesmo jeito de baixar a cabeça por vergonha de tudo, a mesma gagueira, a adoração por animais, a paixão por futebol. Mas não calávamos quando estávamos eu e ela apenas, levávamos a noite toda a fazer planos, a bolar dribles “inéditos”, enquanto minha mãe gritava do outro lado da parede de fina madeira antiga com frestas salientes: “tá na hora de dormir!”
Julinha também ia à escola mais cedo que eu, morava mais longe e tinha que chegar a tempo de pegar a Kombi, que fazia a primeira rota perto da casa dela... Eu queria muito morar por lá, assim poderia chegar mais cedo também e ficar mais tempo brincando com as meninas de amarelinha, ou jogar bolitas antes de começar as aulas da manhã. Perdia sempre a melhor parte da manhã, e talvez a melhor parte do dia. O resto do dia eu apenas brincava sozinha, com galhos de árvores como se fossem bonecas, e flores como se fossem os chapéus glamorosos das bonecas secas.
Mas às vezes caminhávamos eu e mamãe até a casa de Julinha ou até a casa da vovó, aos domingos. Minha tia sempre tinha bolachas caseiras frescas nos domingos, poucos minutos duravam após nossa chegada. Eu e Julinha com a mesma blusa de tricô vermelha, a timidez refletida no rubor do rosto, não se sabe se por causa do vermelho da blusa ou pela natureza envergonhada de ambas. Nunca conversávamos com os mais velhos, íamos direto ver o mundo lá fora, as uvas, os porcos, o rio e a cachoeira. Nunca permitiram que tomássemos banho lá, mas tomávamos sempre escondido... que nunca ninguém saiba, pois ainda é proibido.
Eu perdi a blusa vermelha, ou mamãe doou, pensei que fosse porque ela encolheu... mas acho que eu cresci. Eu chorei por isso, gostava da blusa e das lembranças da infância, era igualzinha a da Julinha, era melhor que casacos comprados nas lojas..., era melhor com certeza. E Julinha era minha única amiga, minha melhor amiga e hoje penso em blusas vermelhas quando sinto falta dela. Tricô vermelho é como minha amizade por Julinha, inesquecível.
A sua amizade com a julinha é única, assim como pontos de tricô.
ResponderExcluirAdorei o texto! Sutilmente detalhado, e recheado de sentimentos. E muito bonito também. A leitura fluiu de modo leve e, ao mesmo tempo, rico.
Abraços, e continue escrevendo!! Amei!!!
Alessandra