segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Normal

Naquele dia Joana se sentia triste, mas não era uma tristeza comum, era uma saudade... saudade de nada, mas de algo que ela fora, algo que fazia parte dela e já não mais a pertencia, saudade da ternura intrínseca que fazia parte dela quando menina. Agora os olhos não entristecem por qualquer coisa, os olhos não vêem beleza em nada, os pequenos acontecimentos não são registrados por ela, não mais adquirem aquela amplitude de significações, ela não fala mais com os anjos, nem mesmo mais os vê. Mas agora fechando os olhos (como se com eles abertos fosse impossível lembrar) lembra o que sentia, uma tristeza que era alegria ao mesmo tempo, uma alegria que passou a infância sufocando, porque se explicasse , perderia o sentido e seria apenas tristeza. Alguma parte dela mesma está naquele tempo passado, tão perdida que ela própria duvida que realmente existiu, pensa que essa lembrança agora possa ser uma nova fantasia, para dar um certo sentido a uma vida já ausente dele. Ironicamente, naquele tempo seus pais achavam que ela estivesse fora de si, e por falar com seres invisíveis aos olhos da racionalidade ela estivesse louca. Tudo que fez foi lutar para se livrar de seus verdadeiros amigos, não mais os vendo, poderia ser normal. Agora está só, e de fato fora de si, pois perdeu aquilo que a tornava um ser, a outra parte dela mesma, talvez a mais verdadeira que não mais pode ser resgatada, está fatalmente condenada a olhar o mundo de modo impassível, vendo não mais que imagens deslocadas de sentido, como quando se vê fleshes de vários filmes ao mesmo tempo e não se sabe associar todas a imagens em uma totalidade. Sua fragmentação não é fruto da temporalidade, da rapidez dos acontecimentos do mundo moderno, mas da perda de si, dentro de si. Hoje não vê anjos e não vê ninguém, são apenas imagens sem sentido. Seus sentimentos e sua possibilidade de ser sujeito está perdida dentro dela, num passado que só ela poderia conhecer, em algum lugar de sua memória.

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